terça-feira, 1 de julho de 2014

O Bom Samaritano: proximidade ou aproximação?

Nas últimas postagens, falei de alguns lugares e seus significados: Chapecó - abrir os olhos; Betânia - casa dos pobres. Então, pensando nos estudos bíblicos da PJ católica romana para este ano, mas querendo dialogar também com as juventudes de outras denominações, veio-me a seguinte pergunta: E Samaria, é lugar do quê, de quem?

Os textos a seguir tentam dar uma resposta. Digo "textos" porque, excepcionalmente hoje, apresento mais de uma reflexão. Não deixam de ser experimentos literários. Portanto, fiquem à vontade para dizer qual lhes agrada mais.

Ah, sim... Ambos foram escritos a pedido. Dado o prazo para entregá-los, deixei-os com títulos provisórios. Mas agora, revisitando-os, fico pensando: A Parábola do Samaritano é uma questão de proximidade ou de aproximação?

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UMA QUESTÃO DE PROXIMIDADE
Você quer herdar o Céu? Seus problemas se acabaram! Basta amar a Deus com todas as suas forças e à próxima, ao próximo como a si mesma, a si mesmo. Quem é seu próximo? Bueno...
Tadeu é coordenador do JESSALVA (grupo de jovens Jesus Salvador). Apesar de ser da periferia, seu grupo está ligado à Catedral. Em tudo o que fazem, procuram glorificar a Deus. Por conta disso, Tadeu não fala mais com o seu amigo Gerson. Além de umbandista, o guri é negro. E o pior... acabou de se assumir homossexual.
A moto é que garante o sustento de Tadeu. Ele é motoboy. Durante uma entrega, o acidente. O motorista da Van fugiu do local. Sua moto ficou destruída. Quem aparece para ajudar? O Gerson. Ele, que trabalha nas ruas, estava por perto bem naquela hora. Ficou com o amigo até a ambulância chegar.
No hospital, Tadeu liga para a mãe. O celular está desligado. Então liga para o padre. É noite de confissões, não pode se liberar tão cedo. O jovem passa a noite em claro, ninguém aparece. Como estará sua moto? Pela manhã, uma visita: é Gerson. Levou a moto na oficina do japonês, vai ficar pronta em um mês. Como agradecer?
Se fosse um sábado à noite, e o Gerson fosse o acidentado, Tadeu teria deixado o grupo de lado para ajudar o amigo? Pela responsabilidade de coordenador, ele sabe que não. Isso o incomoda! Na última reunião, discutiram justamente sobre a parábola do bom samaritano. Quem é o meu próximo? Falaram de um mendigo caído, alguém sem um rosto concreto! Como ajudá-lo? Levando-o para a Igreja! Como se todos os problemas da humanidade derivassem da falta de religião. Mas agora Tadeu está num hospital, diante de um problema real, com pessoas concretas, de rostos concretos. E está muito mal por receber ajuda de quem ele nunca ajudaria. Então pensou: como me torno próximo de alguém?
É isso! Tadeu percebeu a moral da história. A gente não faz nada para ganhar uma herança. É perda de tempo – e revela grande egoísmo – tentar merecer o Céu. Independente da fé que professamos, da cor da nossa pele, da nossa orientação sexual ou da nossa condição financeira, somos todos filhas e filhos de Deus, criados para a Vida. Por isso, participar da Igreja, crer em – e temer a – Deus não é privilégio, não é condição de superioridade, não é clubinho dos eleitos. Ser cristão é serviço.
No tempo de Jesus, os entendidos da Lei se consideravam os únicos salvos. Hoje também há o costume de dizer que só quem participa do meu grupinho, só quem professa Deus do meu jeito é quem vai se salvar. Logo, não adianta estender a mão a quem não tem salvação. Os samaritanos eram considerados um povo insensato (Eclo 50,25-26) porque, na invasão assíria, foram misturados a outros povos, contaminando assim o seu “sangue puro”. As “insensatas e insensatos” de hoje não esperam que as pessoas se convertam à sua fé, ou se arrependam de seus pecados, para ajudá-las. Elas não se sentem seres superiores, que vieram a esta terra para julgar os vivos e os mortos. Elas vão ao encontro dos outros, elas se tornam próximas dos necessitados para estender a mão a eles. Diante do sistema, não perguntam por que vivem os maus e morrem os bons. São insensatos demais para julgar quem merece viver ou morrer. Em vez disso, limitam-se a perguntar por que existe a morte. Em sua insensatez, entendem que a Vida é para todas e para todos.
Então, nesse jogo de aproximação, o que escolhemos? Decidir quem é o nosso próximo, isto é, quem merece nossa ajuda, nosso amor? Ou decidimos amar indistintamente, com isso tornando-nos próximas, próximos – e colocando-nos a serviço – de quem precisar?

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UMA QUESTÃO DE PROXIMIDADE II
Quem é o meu próximo (Lc 10,29)? O Doutor pergunta a Jesus, malicioso. Quer que Ele admita: só a “gente do bem” merece ser amada. De certo, não vê com bons olhos tantos pobres e estrangeiros seguindo o Nazareno. Mas este, rei da subversão, conta uma história e inverte o problema: quem é o próximo do outro, daquele que está caído à beira do caminho (Lc 10,36)?
A resposta, que o especialista da Lei custa a dar, parece simples: o samaritano. Na verdade, podia ser qualquer um, qualquer uma que estendesse a mão ao necessitado. Mas por que justo um samaritano? E mais... A Tradição o acusa de ser bom. Por quê? Samaritanos normalmente são maus? Talvez sim... Recuando alguns versículos (Lc 9,51-56), vemos Jesus rejeitado na Samaria apenas por dizer que estava a caminho de Jerusalém. Em Eclo 50,25-26, por outro lado, um judeu chama os samaritanos de estúpidos. Por que tanta rivalidade?
Logo depois da morte do rei Salomão (931 a.C.), Israel se separou em reino do sul (Judá) e reino do norte (Israel). Poucos séculos depois (721 a.C.), a Assíria dominou este último, repovoando-o, misturando a população local a grupos oriundos de outros lugares. Na visão dos irmãos sulistas, a miscigenação inter-racial tornou os nortistas impuros, impedindo-os de continuar pertencendo à “raça dos eleitos” e desfrutar a Terra Prometida. Algo semelhante aconteceu com Judá, pouco depois, sob o domínio babilônio, mas... voltemos à parábola.
O cenário escolhido por Jesus é algum lugar entre Jerusalém e Jericó, ambas cidades da Judeia. Isso explica a origem do assaltado, do sacerdote, do levita e até do dono da pensão, todos obviamente judeus. Mas... o que faz um samaritano ali? Bom, ele é o outro. A Samaria é o lugar do outro, do estrangeiro. Lucas, vale lembrar, escreve em um ambiente fora da Palestina. Seu público são comunidades cristãs em cidades dominadas pela cultura grega. Nelas havia também cristãos vindos do judaísmo, que se julgavam superiores aos demais. Falando de um samaritano, Lucas espera que eles entendam: não se trata se ser melhor ou pior; eles podem até ser os primeiros em relação às promessas de Javé, mas os “fora-da-Lei” (não-judeus) demonstram mais liberdade para amar, pois não estão nem um pouco preocupados com questões de pureza (de fato, segundo a lei judaica, acudir um homem caído era correr o risco de tocar em um leproso ou outro tipo de pecador que poderia tornar seu socorrista também uma pessoa impura). Os judeus podem ser “gente do bem”, etc. e tal, mas é em seu território que o ato de violência acontece. Quem demonstra misericórdia é um estrangeiro...
Para lembrar que todos são iguais, o texto começa, inclusive, falando em uma herança. A primeira pergunta do especialista da Lei é como fazer para herdar a vida eterna (Lc 10,25). Ora, ninguém ganha uma herança por mérito. O pai a oferece gratuitamente, tanto aos filhos mais velhos (judeus) quanto aos mais novos (helenos). Nada deve ser feito pensando na recompensa, pois isso já não seria amor. Ajudar somente aos semelhantes demonstra egoísmo e corporativismo. Porém, aproximar-se (isto é, ser o próximo) até de quem nada tem a oferecer, com o desejo único de servir, isso sim é amor.
Por fim, pensemos em nossos dias. Quem são as samaritanas e samaritanos de hoje? Quem são as impuras e impuros que enxergamos com maus olhos? Os irmãos ateus, ou de outras denominações ou religiões? As pessoas cuja orientação sexual diverge da nossa? Bêbados, mendigos, presidiários e prostitutas? Jovens, mulheres, negros, índios? Desempregados, roceiros, operários? Argentinos, uruguaios, angolanos, libaneses? Nordestinos, paulistas, cariocas? É possível esperar algo de bom deles? É possível amá-los? O que falta para isso? Talvez, como o especialista da Lei, estejamos esperando o próximo tomar a iniciativa: “ah, esse aí bebe porque é vagabundo!”; “aquele lá só não trabalha porque não quer!”; “bolsa-família, cotas, vale-reclusão... e tão reclamando de quê?” Enquanto isso, quem está sendo a próxima, o próximo da nossa gente?

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