sábado, 24 de agosto de 2013

ENTREVISTA COM JESUS

– Olá, telespectadores do canal 10, ouvintes da Rádio Confiante e internautas que nos acompanham pela WebTV. Eu sou Johnson Ares e este é mais um... “Conhece a Ti mesmo”. O convidado de hoje é considerado, no mundo ocidental, um Deus. Ele é alto, forte, cabeludo, barbudo... Calma, meninas, não é o Thor! Produção, alguém tira essas histéricas daqui? Bem, voltando... Foram escritas várias biografias sobre ele, das quais quatro são as mais lidas. E ele vem aqui, hoje, para falar um pouquinho mais sobre si mesmo. Pode entrar, Jesus!
(Aplausos e musiquinha... A um aceno de John, tudo se aquieta)
– Jesus, Emanuel, Jeoshuá, Cristo... São tantos nomes, fora os títulos: Mestre, Senhor, Estrela da Manhã, Bom Pastor, Nazareno, Filho do Homem... Como quer ser chamado?
– Olha, John! De fato, são muitos nomes... Mas pode me chamar de Jesus. É simples, é o mais conhecido... Gosto dele!
– Jesus, das quatro biografias mais conhecidas, isto é, dos Evangelhos, qual te retrata melhor?
– Todos e nenhum ao mesmo tempo. Quero dizer, nenhum deles conta as coisas como realmente aconteceram, mas todos cumpriram seu objetivo, que era dar um sentido teológico à minha morte e ressurreição.
– Quer dizer que nada do que está escrito ali aconteceu de verdade?
– Claro que tudo aquilo aconteceu. Os escritos formam uma fotografia, uma imagem dos acontecimentos. Como você sabe, os retratos não mostram toda a cena, mas somente aquilo que seus autores querem destacar.
– Entendi... E qual dos teus retratos mais te agrada?
– Todos são muito bonitos. Mas eu acho um muito engraçado, uma vez que me pintaram de galinha.
– Galinha?
(John solta uma gargalhada, a plateia o acompanha)
– Sim, tá lá em Mt 23,37 e Lc 13,34.
– Arequê, pega uma Bíblia pra mim!
(Um japonesinho sai correndo e logo volta, trazendo uma caixa. John tira um livro de dentro dela e começa a folheá-lo)
– Ah, entendi! Mas nunca vi essa imagem nos vitrais e quadros das Igrejas.
– Fazer o quê, John? Também gosto daquela cena em que sou uma mulher varrendo o chão até encontrar a moeda perdida (Lc 15,8-10), mas nem os artistas da Renascença, com todos seus avanços, ousaram me pintar assim.
– Sim, mas nem eu ouso te imaginar como uma mulher...
– Bobagem! Sendo verdadeira pessoa humana, eu não tinha como vir assexuado. Mas tanto faz como tanto fez se eu viesse como homem ou mulher.
– Vejam vocês! Mas por que você veio a este mundo, afinal de contas? Você já sabia que ia morrer numa cruz?
– Gosto de falar por imagens, John! Vocês, brasileiros, têm um cara que soube definir muito bem, numa imagem, minha missão na Terra. Frei Carlos Mesters, conhece? Pois é, ele escreveu um livro chamado: “Com Jesus na Contramão”. É bem isso mesmo! O plano de Deus tava todo do avesso, e eu vim para restaurá-lo.
– Como assim? Plano de Deus? Você é terrorista?
(Agora é a vez de Jesus soltar uma gargalhada)
– Esse é o discurso do atual império. Me admira que vocês ainda reproduzam o pensamento dos EUA. Quando eles combatiam os comunistas, eu era comunista. Agora que combatem os terroristas, sou terrorista.
– Perdão! Não queria ofendê-lo! É que...
– Não, não me ofendeu! O que me irrita é a propaganda difamatória, mas isso não é culpa sua; você apenas a reproduz.
– Bom, vamos falar de coisa boa. Arequêêêêêêêêê... Traz uma água pra nós!
(Sai o japonesinho correndo, mas Jesus continua respondendo à pergunta anterior, sem esperá-lo voltar)
– Como homem, eu não sabia que ia morrer numa cruz. Quero dizer, não foi um teatro. Não conduzi as coisas pra chegarem a esse ponto, como querem acreditar alguns pretensos teólogos por aí. Eu fui assassinado porque denunciei um esquema de corrupção.
– Corrupção? Pode nos dar nomes?
– Na verdade, é toda uma classe corrupta. Confira o que aconteceu em Mc 7,5-13; 11,15-18; 14,1-2.53-64.15,1-15.
– Não entendi muito bem, Jesus! Se o Sinédrio te condenou por se considerar Filho de Deus, por que os sacerdotes te apresentaram a Pilatos sob a acusação de se denominar Rei dos Judeus?
– Veja como esses senhores são artistas da enganação. A blasfêmia aos deuses dos povos dominados não significava nada para o imperador romano. Mas, lendo Jo 19,12-16, fica fácil entender que César não gostava muito da ideia de haver outros reis além dele.
(Johnson Ares bebe a água trazida por Arequê. Sente que deve interromper a entrevista, mas está inexplicavelmente curioso para saber o restante da História)
– Jesus, tô vendo aqui, na sua biografia escrita por Lucas, que os sacerdotes também te acusaram de subverter o povo, incitando-o a não pagar imposto a César (Lc 23,2). Fale um pouco mais sobre isso.
– É para que você veja a maldade das nossas lideranças políticas, John. Viviam reclamando do rigor com que o império nos oprimia, mas na frente de um oficial romano davam uma de quem estava a favor dos impostos. É como nos dias de hoje, onde um candidato, para se eleger, critica quem está no poder. Só que, uma vez eleito, o cidadão se torna ainda pior que seu antecessor.
– Mas você subvertia mesmo o povo?
(Dessa vez, um tom de preocupação na voz de Johnson Ares)
– John, eu te disse antes que eu vim para restaurar o Plano do meu Pai, que tava do avesso. Então eu te pergunto: quem é o subversivo nessa história?
– Interessante... Mas pode nos dar exemplos daquilo que você fazia que deixava os fariseus tão irritados?
– Pra começar, eu fiquei do lado dos considerados impuros: Prostitutas (Mt 21,31-32), pecadores (Mc 2,15), leprosos (Lc 17,11-19), hereges (Mc 7,24-30), endemoninhados (Mc 1,23-26), mulheres (Lc 8,1-3), crianças (Mt 19,13-15), doentes (Mc 1,32), enfim... O povo pobre em geral (Lc 6,20-26). Mostrei a eles que não eram os ritos que os salvariam, mas a prática do Amor (Jo 13,34-35; Mt 10,25-28) e da Justiça (Mt 5,6.10; 6,33).
– Por isso que você ensinava fora do Templo e da cidade?
– Na verdade, não tive muita escolha. Optar pelos pobres é viver à margem, nas periferias (Mc 1,40-45; Lc 4,29).
– E você se arrepende disso? Quer dizer... Não conheço muita gente disposta a fazer o que você fez.
– Aí é que você se engana, John! Tudo começou com quatro pescadores (Mc 16,20). Claro, depois ampliei para um número mais simbólico, nomeando os doze apóstolos (Mc 13,3-19), só pra lembrar do projeto das doze tribos.
– Doze tribos?
– Sim, as tribos que formaram o povo de Israel. Um projeto sem reis, baseado na partilha e na Justiça. Fazendo memória do projeto que nasceu lá no Êxodo, consegui fazê-los formar pequenos grupos, que persistem até hoje, de forma organizada, lutando por outro mundo possível.
– Grupos organizados? Perdão, mas quanto mais ouço, mais te vejo como um... Bem, escutei aqui o Jesus...
(A plateia faz um sonoro “aaaaaahhhhh...”)
– Sim, eu também gostei, mas vamos encerrando antes que...
Nisso, entra a polícia e dá voz de prisão a Jesus. Johnson Ares vai junto por deixar esse homem falar tanta besteira e por tanto tempo no ar. E assim termina a entrevista, mas não sem antes causar um reboliço no cenário internacional. O FBI quer explicações das atividades suspeitas desse que todos pensavam ter morrido. As relações entre o Brasil e o império norte-americano estremecem. Nossa presidente não tem outra alternativa, a não ser entregar o suposto terrorista à CIA. Se tudo correr bem, em poucos dias o caso será esquecido, a menos que Jesus ressuscite novamente, na luta do povo.

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