sábado, 31 de março de 2012

Por Missões (realmente) Populares


Estamos às portas de mais um grande evento de massa da ICAR: as Missões Populares. Para algumas pessoas, é o momento de conquistar almas para Cristo. Já, outras acreditam em uma grande cruzada contra o avanço dos heréticos evangélicos. Mas há quem deseje, do fundo do coração, que essas missões sejam populares de fato. Para essas pessoas, é momento de ir ao encontro das irmãs e irmãos, independente de sua profissão de fé.

O discurso oficial da Igreja fala em conhecimento das diversas realidades. Desculpem o meu ceticismo, mas isso cheira a censo. Primeiro, porque a ICAR se organiza, ainda, de forma territorial. Ou seja, os limites geográficos de uma determinada região fazem parte de (leia-se: “pertencem a”?) uma certa comunidade/paróquia. Segundo, porque esse é o mesmo discurso do governo para justificar a atuação do IBGE. E sabemos (não sabemos?) que essas pesquisas têm a finalidade de mapear a população para, depois, entre outras coisas, cobrar impostos.

A Bíblia diz que o censo é pecado. Mas ela não se limita à pura e simples constatação. Sua preocupação é denunciar o mal por trás da ação. Em 2Sm 24, a crítica a Davi é velada e faz com que o próprio Javé incite o rei contra o povo (v. 1), fazendo-o arrepender-se depois (v. 10). Mas Salomão não é poupado. Em 2Cr 2,16-17, diz-se abertamente que foram contados os homens disponíveis para a guerra e a corveia (trabalho forçado para o rei). Logo, o censo deveria ser uma vergonha para nós, cristãs e cristãos.

Quanto às cruzadas, basta-nos a História. Há quem ainda defenda as “boas intenções” da Igreja. Mas qualquer uma, qualquer uma que tenha o mínimo conhecimento dos Evangelhos sabe que a Boa nova de Jesus não estava na ponta de uma espada. Aliás, quando um de seus discípulos resolveu utilizar esse recurso, Jesus o repreendeu: “Quem usa da espada, pela espada morrerá” (Mt 26,52). Óbvio que não veremos espadas nas missões-cruzadas, mas o princípio ainda é o mesmo: destruir o oponente.

Se querem ser populares, então que as missões estejam mais de acordo com a Bíblia na ótica do pobre. Mostrar um Deus cujo único objetivo é se dar a conhecer parece atitude de quem quer impor sua religião, sua verdade. Javé quer mais! Ele se interessa, conhece a realidade de seu povo (Ex 3,7) e desce para libertá-lo (Ex 3,8 – entenda-se: “vai ao seu encontro”, “caminha com ele”). No Primeiro Testamento, envia Moisés e os profetas. No Segundo, Ele mesmo encarna a condição humana na Pessoa de Jesus. O chamado, isto é, a Missão não é privilégio, não busca benefício próprio; antes, é a resposta divina ao clamor de um povo.

Tal resposta não se dá de cima para baixo. Ir ao encontro não é sinal de superioridade, mas igualdade. Ao ser questionado por um especialista em leis sobre quem era o seu próximo, Jesus contou a história do homem assaltado e resgatado por um samaritano (Lc 10,25-37). Ao final, Ele inverteu a pergunta: “Quem foi o próximo da vítima?” O escriba não conseguia dizer “samaritano” (havia, de fato, uma rixa entre estes e os judeus), mas reconheceu que era aquele que havia praticado misericórdia (v.37). O superior escolhe quem deve se aproximar dele, mas Cristo nos envia a sermos as próximas, a estarmos próximos de quem realmente necessita, independente de religião, cor, sexo, idade ou condição social.

E quem necessita de nós? De quem estamos mais próximos? Nas missões populares, iremos às casas de nossos vizinhos. Alguns seguidores de João Batista, quando convidados a seguir Jesus, quiseram saber onde Ele morava (Jo 1,38). Exigência boba? Não! Prudência! Seguir um sonhador, que não vive a realidade concreta de sua própria casa, é loucura. Jesus se mostrou uma pessoa concreta, que vivia em uma casa concreta e passava o dia-a-dia no meio do povo. Com certeza, Ele se interessava pela vida de seus vizinhos (de forma positiva, construtiva, é claro), e isso bastou para que os discípulos de João acreditassem n’Ele e o seguissem (v.39).

E, já que a ideia não é converter as pessoas, o que devemos fazer nas casas? Bom, quem disse que a intenção não é converter? O problema é que nós pensamos, hoje, o processo de conversão como uma adesão de fé. Ora, é isso também... Mas não é isso! Aliás, essa deve ser a nossa última preocupação. Quando enviou seus discípulos, dois a dois (Lc 10,1-12), Jesus  recomendou que levassem somente o necessário, anunciassem a paz, permanecessem nas casas, comessem, bebessem, curassem os doentes e anunciassem que o Reino está próximo. Pelo que vemos, não disse nada sobre adesões ao cristianismo. Então, que raio de conversão é essa? É a conversão dos costumes, dos gestos, de uma cultura enfim.

Mudar uma cultura não é fácil. Quando os discípulos pediram que Jesus despedisse a multidão faminta, Ele os repreendeu: “Alimentem vocês mesmos o povo” (Mc 6,35-37a). E eles ficaram bravos: “Como conseguiremos fazer isso sozinhos?” (v.37b – interpretação livre). Jesus, então, ensinou o grande segredo: “Não façam pelo povo; façam com o povo. Organizem-nos. Façam-nos sentar (entenda-se: “que estejam em condições de igualdade”), formando grupos de 50 e de 100 (isto é, grupos pequenos). Que cada grupo tenha autonomia, mas que ajam em rede, conectados, em verdadeira comunhão.” (vv. 38-44 – novamente, versão livre). Moisés já havia tentado isso, quando nomeou os juízes (Ex 18,13-27). Mas esse projeto igualitário foi suplantado pela instituição da monarquia (1Sm 8). 300 anos depois da morte de Jesus, o cristianismo também ficou submisso ao poder do império romano. O projeto de vida em abundância para todas e para todos (Jo 10,10) é a utopia, a realização plena do Reino, o projeto sonhado por Deus, mas o caminho para chegar até lá depende de nós – e é longo, árduo e perigoso.

Mas não devemos desanimar. As missões populares, portanto, devem ser o grande momento de reunir o povo, ser fermento na massa. Isto é, que entendamos o ser missionária, ser missionário como ser agentes de transformação, ajudando o povo a ser organizar em busca da terra prometida, ou seja, da realização da vida plena, o grande sonho de Deus.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Contra a Violência e Extermínio de Jovens

O texto a seguir, que escrevi em companhia de minha esposa, Barbara Lucas, foi publicado no nº 110 da revista Estudos Bíblicos, da Vozes:


A JUVENTUDE QUER VIVER

 “Vamos juntas/os gritar, girar o mundo:
Chega de violência e extermínio de jovens!” [1]
(Pe. Gisley de Azevedo Gomes)

1.      Contra o extermínio de jovens
É com prazer que aceitamos o convite para novamente escrever sobre Bíblia e juventudes. No artigo anterior[2], falamos sobre juventudes e mundo urbano. Nosso propósito, naquele texto, era falar sobre as várias tribos juvenis presentes nas cidades e como essa diversidade poderia resultar em hermenêuticas que, não mais produzidas para, mas pelos jovens, pudessem alimentar sua resistência às limitações impostas pelo adultocentrismo[3]. O que agora apresentamos segue a mesma linha, aprofundando o tema, uma vez que falaremos sobre a violência, mal que aflige principalmente o público juvenil, mas que felizmente encontra movimentos de resistências organizados pelas próprias juventudes para combatê-lo.
Antes de prosseguirmos, porém, uma ressalva. Por força do tempo e espaço destinado a este artigo, e também por nossas próprias limitações, não escreveremos sobre juventudes em geral, mas a partir de alguns grupos juvenis urbanos, aos quais conseguimos alcançar por nossa condição geográfica, experiência pessoal, profissional ou, ainda, por nossa ação pastoral. Temos certeza de que as realidades relatadas aqui poderão coincidir com as de outros grupos, bem como ser complementadas ou refutadas por experiências que quem nos lê possa ter, por ventura, acumulado.
Dito isto, passemos ao nosso tema. Comecemos por uma cena da vida real. Em junho de 2009, a juventude católico-romana perdeu Pe. Gisley, assessor do Setor Juventude da CNBB, vítima de latrocínio. Os autores: quatro jovens, um deles com menos de 18 anos. Uma cena de violência juvenil, como tantas outras, mas esta nos chama a atenção pela ironia: Gisley era defensor da luta contra a redução da maioridade penal e um dos principais motivadores da campanha “Juventude em Marcha contra a Violência e o Extermínio de Jovens”. Sua morte alavancou não só esta campanha como reanimou outras discussões e iniciativas, inclusive nos meios ecumênicos, sobre como cultivar uma cultura de superação da violência.
Falaremos da campanha contra o extermínio de jovens por ser uma proposta que vem mobilizando a sociedade e porque, embora concebida por jovens da ICAR, ganhou o apoio de organizações juvenis ecumênicas. Ela nasceu na 15ª Assembleia Nacional das PJs (Pastorais da Juventude) da ICAR no Brasil, realizada em Samambaia/DF, em maio de 2008 e, entre outras contribuições, chamou a atenção para o fato de que tantas mortes juvenis não acontecem por acaso, mas são produto de uma ação sistematizada de extermínio de jovens. Graças (infelizmente) à morte de Gisley, (e felizmente) ao apoio de organizações como a REJU (Rede Ecumênica da Juventude), ligada ao FE Brasil (Fórum Ecumênico Brasil), e ao alcance das próprias PJs, a campanha tem conquistado grande repercussão no território nacional[4].
O momento parece ser ideal para esta discussão. Afinal, vivemos, tanto na esfera nacional quanto mundial, uma época de bônus demográfico, isto é, ocasião onde o número de pessoas em idade produtiva supera o de crianças e o de idosos. Houvesse uma política de inclusão e aproveitamento de toda essa massa produtiva, isto seria ótimo para o Brasil e para o mundo. Porém, não há oportunidades para todas/os, nem ao menos para a maioria. Somente uma parcela da população brasileira e mundial pode se considerar privilegiada por ter moradia, saúde, educação, trabalho e outras condições que assegurem vida plena. O restante da população é considerado material excedente e, portanto, descartável. Se não puder ser eliminado diretamente, que seja entregue à própria sorte, destruindo-se mutuamente na luta por sobrevivência. A violência, quando não causada pelos “privilegiados”, é por eles usada como forma de “purificar” o planeta da “escória humana”.
            Com os meios sociais de comunicação nas mãos, a elite dominante consegue, ainda, a proeza de fazer a população acreditar que o extermínio é a melhor solução. Nas conversas informais, sempre surge alguém defendendo a pena de morte, prisão perpétua e até a implantação da lei de Talião (olho por olho). Como as/os jovens competem com as/os adultos pelas oportunidades de renda, e um dos eixos da nossa sociedade é o adultocentrismo, quem é visto como o vilão da história? Mas será que a culpa da violência e da criminalidade é das/os jovens? Serão eles os principais agentes do crime, organizado ou não? Que interesses movem o processo de criminalização da juventude? E podemos, ainda, acrescentar: Condena-se toda a juventude, ou apenas determinados grupos juvenis? A seguir, tentaremos responder a estas questões e propor um modelo de superação da violência juvenil.
2.      Dois lados da mesma moeda
Quando se fala em violência, logo nos vem à mente algum tipo de agressão física. O motivo é simples: Esta é a sua face mais evidente e aparente. Mas, antes de falar sobre isso, vejamos o seguinte texto:
Careca[5]
Careca, na verdade Marcelo Cândido de Jesus, tinha 14 anos e escolheu a rua porque estava passando fome em casa. O pai, jardineiro, havia sofrido um derrame há quatro meses e estava sem poder trabalhar. A mãe, Terezinha de Oliveira, também estava desempregada. Tinha mais dois irmãos menores. A família vinha se sustentando com doações de vizinhos. Careca nunca frequentou a escola. Estava na rua há apenas três meses. Morreu assassinado em 23 de julho de 1993.
Fonte: CEAP - Centro de Articulação de Populações Marginalizadas, Revista PIXOTE
sobre meninos e meninas: O MASSACRE DE CANDELÁRIA, ano1, nº 2, 1993.
Aprendemos pouco desde então ....
Em 1993 foram assassinadas 30.586 pessoas no Brasil, na maioria jovens,
entre os quais CARECA.
Em 2007, foram assassinadas 47.707 pessoas no Brasil, na maioria jovens,
como CARECA.

O caso, conhecido como chacina da Candelária, é emblemático, pois, além de ganhar repercussão mundial, pôs a descoberto uma operação de extermínio de jovens. Embora nada tenha sido comprovado, o mais provável é que policiais, pagos por comerciantes da região, tenham feito uma “limpeza” no centro histórico do Rio de Janeiro. Mesmo que esta suspeita nunca se confirme, só o fato de a hipótese, em vez de parecer absurda, ser vista pela população como plausível, já é uma vitória. Ainda assim, é triste constatar o crescimento de homicídios entre jovens, acima da média geral.
Em outro caso de homicídio que ganhou repercussão nacional, foi a vez de jovens queimarem vivo o cacique pataxó Galdino Jesus dos Santos. No primeiro caso, os jovens assassinados eram moradores de rua. Neste, jovens de classe média-alta foram os algozes do líder indígena. Não querendo retirar a culpa destes, nem minimizar as implicações da morte de Galdino, ousamos afirmar que, em ambos os casos, os jovens foram vítimas. No primeiro, a violência explícita, resultando em morte. No segundo, jovens desprovidos de valores. Quando perguntados sobre suas motivações, disseram que imaginavam se tratar de um mendigo. Quem ensinou a eles que a vida de um morador de rua vale menos que a de um líder político?
Estes dois casos parecem pontos extremos da violência, mas são apenas a ponta do “iceberg”. A seguir, veremos outras formas de agressão e como elas terminam em atos extremos, como os dois que acabamos de relatar.
3.      Tipos de violência juvenil
A primeira violência contra a/o jovem – da qual nascem todas as outras – é a invisibilidade. Um exemplo claro é a definição mais comum de juventude[6]: Período da vida entre a infância e a idade adulta. Ora, se o jovem não é criança nem adulto, o que ele é? Não é comum ouvirmos esta pergunta. Tampouco os jovens estão habituados a fazê-la. Sua atenção está voltada (porque assim foi treinada) para o futuro: “O que você vai ser quando crescer?” Sua voz não é ouvida no presente. Se ele ousa se manifestar, logo é desqualificado como inexperiente, imaturo, irresponsável. É como se a juventude fosse só um estágio para a vida adulta.
Na esfera institucional, a invisibilidade pode pesar sobre as/os jovens de forma silenciosa, ou bem agressiva. Depende de como elas/es reagem. Andando na contramão dos programas de rádio e televisão, shoppings, internet, moda e da própria arquitetura das cidades, que estão cada vez mais joviais, os espaços privilegiados do poder – as instituições políticas, militares, civis e religiosas – não oferecem nenhum atrativo. Quem se interessa por assistir às sessões do Congresso nacional, por exemplo? Nas forças armadas, o jovem, sendo aspirante ou soldado, está na escala mais inferior da hierarquia, devendo obediência a seus “superiores”. Na escola, os jovens são alunos, ou seja, “sem luz”, cabendo à professora ou professor o papel de “libertá-los das trevas”. As vítimas da ditadura da moda (pessoas que sofrem de obesidade, bulimia, anorexia, dopping, anabolizantes etc.) não aparecem nas estatísticas como jovens, mas como atletas, modelos, fisiculturistas, sedentários... Também no ambiente eclesiástico, há situações em que a/o jovem se sente deslocada/o até em reuniões de conselho paroquial, onde teoricamente todo mundo se conhece. São ambientes sem vida, sem graça, silenciosamente (e imponentemente) hostis, justamente porque não há interesse em que “um/a qualquer” (e as juventudes estão inclusas neste grupo) participe das decisões. Aceitando esta imposição, não há problemas, pois se está dentro da ordem (isto é, sob controle). Mas aquelas/es que não aceitam tornam-se indesejáveis, “baderneiros” e, com isso, correm o risco de conhecer o “poder de argumentação” da polícia militar.
Falando em força policial, a condição social ajuda a definir qual a punição mais severa a se aplicar aos “desordeiros”. Jovens economicamente privilegiadas/os (em sua maioria, brancos e alfabetizados), quando considerados culpados, fazem terapia para pensar em seus erros. Já, os pobres (maioria de negros e analfabetos) passam alguns dias, meses ou anos numa cela. Percebe-se, então, que há uma diferença de tratamento, conforme a condição financeira[7].
Mesmo esta divisão (entre ricos e pobres) é um desrespeito à diversidade juvenil, revelando ainda um certo grau de invisibilidade. Na mesma condição social, há grupos de pichadores e grafiteiros, por exemplo. Ambos mudam a paisagem das cidades onde vivem. Mas uns fazem isso dentro da lei, enquanto os outros optam por desobedecê-la (não por maldade, mas como forma de protesto por não se sentirem incluídos). E mesmo dentro de um único segmento juvenil, há grupos de torcedores organizados, por exemplo, que se preocupam em acompanhar seu time do coração, enquanto outros se reúnem apenas para brigar ou depredar. Classificá-los conforme sua tribo, ou condição financeira, é criar estereótipos, reforçar os preconceitos que só mantêm a discriminação contra as/os jovens.
Bem é verdade que nem todos os jovens são malvistos, mas isso não quer dizer que não sofram com o princípio da invisibilidade. Há aqueles que são respeitados pela sociedade, admirados, estão nas capas de revista, estrelam filmes, novelas e comerciais. Há também os que não atingem a fama, mas são elogiados nas instituições onde estão presentes. Será que o simples fato de estudarem, serem independentes (por méritos próprios, ou condição financeira dos pais), bonitas/os, entre outros, é que lhes confere tanto prestígio? Ou sua capacidade de obediência é que merece “reconhecimento”? Conforme procuramos demonstrar no artigo anterior[8], estes jovens servem como garotas e garotos-propaganda do sistema, transmitindo sempre os valores impostos pelo adultocentrismo. Claro, elas/es não procuram questionar sua condição porque, se nada mudar no cenário atual, quando forem adultos, terão também seus benefícios. Mas serão elas/es, de fato, livres para expressar o que pensam?
Interessante notar que as/os jovens podem deixar de ser invisíveis, conforme o interesse de quem detém o poder e a informação. Por exemplo, quando a violência é causada pelos considerados marginais, ganha repercussão na imprensa, mas quando são eles as vítimas, os noticiários “mascaram” um pouco a realidade. É o caso da recente onda de agressões a homossexuais. Enquanto os agredidos são identificados por sua orientação sexual, os agressores são chamados simplesmente de jovens. A maior parte das mulheres vítimas de agressão, estupro, mães solteiras, ou que tenham sido forçadas a fazer aborto, são jovens, mas os números informam apenas a violência contra a mulher. A maior parte dos presidiários é jovem e negra, muitos condenados injustamente, mas quem está na cadeia só aparece no jornal como “detento” ou “bandido”. Porém, estando em liberdade, com uma arma na mão, praticando algum delito, traficando, ou matando, a manchete é bem específica: “Jovem sequestra ônibus, mata inocentes, é preso com tantos quilos de maconha...” Por isso, é normal que a população fique espantada com a denúncia de que nossas/os jovens estão sendo exterminados. Como esses “marginais” podem se fazer de vítimas, se a TV mostra que eles é que estão ceifando vidas inocentes?
Com isso, vamos percebendo que, à medida em que conquista alguma visibilidade, a/o jovem sofre, infelizmente, outro tipo de violência: a criminalização. Medidas como a redução da maioridade penal e o toque de recolher são consideradas um cuidado com a integridade dos próprios jovens. Alguns dados e estatísticas (solicitadas por quem? A serviço de quem?) “revelam”, inclusive, que diminuiu sensivelmente o vandalismo e o banditismo em cidades brasileiras que adotaram estas medidas[9]. Basta um pouco de criticidade para perceber que os jovens com menos de 18 anos não estão sendo protegidos, mas responsabilizados pela criminalidade no país.
Aliás, é triste constatar que uma considerável parcela da sociedade apoia essas atitudes, provavelmente enganada pela manipulação dos números, matéria em que a mídia é especialista. Obviamente, isto se deve ao medo da violência. O povo sente que algo precisa ser feito. O apelo é para que se imponha limites a essa juventude que está aí. Bom, estamos tentando, no decorrer destas linhas, primeiro questionar se a culpa é mesmo das/os jovens. Mas aqui cabe mais uma questão: Como pode uma cultura ser propositiva e libertadora quando se baseia em proibições e castrações? Que tal se, em vez de impor limites, fossem cultivados valores? Os jovens que mataram Galdino teriam feito o que fizeram se considerassem importante a vida de um mendigo?
Estes são apenas alguns dos tipos de violência juvenil. Certamente, quem nos lê pode acrescentar inúmeros outros à lista. Estas informações são úteis para percebermos que a agressão física não é a única forma, embora seja a mais visível – e talvez a mais extremada – das ações violentas. Passemos agora a ver outras causas e, também, a extensão atual do problema.
4.      Outros dados relevantes
Pelo que estamos dizendo, parece até que, exceto a campanha das PJs, nada se está fazendo pelas juventudes. Restabeleçamos, portanto, a verdade de que os últimos governos, na esfera nacional, não têm sido totalmente negligentes. O ingresso na faculdade e a oportunidade do primeiro emprego, entre outras conquistas, tornaram-se mais acessíveis na última década. Além disso, a criação de uma secretaria e a aprovação (não sem uma forte pressão de grupos juvenis organizados) da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que inclui o termo “juventude” no capítulo VII do título VIII da Carta Constitucional demonstram uma preocupação com as/os jovens jamais vista nos governos anteriores. O problema é que, na prática, muitas dessas conquistas ainda são programas. Além disso, a preocupação maior ainda é aproveitá-los no mercado, ou seja, não há uma preocupação sincera com o bem-estar das juventudes. Ainda assim, não há como negar que os direitos adquiridos podem melhorar a vida das pessoas jovens. Porém, se não se tornarem políticas públicas (necessárias, ainda que feitas por adultos, para jovens), correm o risco de ser cancelados a qualquer momento, como aconteceu com o sistema de cotas para negros, ou reformulados para atender aos interesses de outros grupos (interessados em mão de obra qualificada, por exemplo).
Outro ponto a ser esclarecido é que não se quer negar, aqui, que a/o jovem seja culpado pelos seus atos. Aliás, muitos grupos juvenis têm-se mostrado extremamente cruéis. É o caso, por exemplo, dos praticantes de bullying[10] (nas escolas) e cyberbullying (mesma prática, só que empregada nas redes virtuais de relacionamento). Porém, em uma pesquisa com jovens das zonas sul e oeste da cidade de São Paulo, constatou-se que muitas/os jovens são violentas/os porque têm dificuldades de se relacionar, ou não convivem com o pai. Considerando o que vimos até aqui, isto é, a falta de acolhida e de oportunidades proporcionadas pelas instituições, parece óbvio que esses jovens procurem referências em outros setores. Vamos conferir o que disse um dos entrevistados, da zona sul (teoricamente a área mais pobre e violenta) de São Paulo:
O jovem que comete [um] crime [como o assalto e o tráfico], geralmente, só tem a mãe dentro de casa, com mais três, cinco ou até mais irmãos, na maioria das vezes, pequenos. Não vou distinguir cor, porque tanto branco quanto negro, roubam, matam, sofrem esse tipo de violência de não ter o que comer, de não ter esses aparelhos, como você diz, de cultura... não tem onde se divertir. É um jovem sem qualificação profissional, sem perspectiva de vida, porque não chega nem à 5ª série direito. A mente dele é pequena e o que mais almeja na vida é uma moto, um carro. Conseguiu aquilo, pra ele ‘tá satisfeito. Então acho que é um jovem e tenta se espelhar naquele cara que ‘tá mais forte, que é o comandante do bairro, e muitos acabam caindo nessa armadilha de que o mundo é só um carro e uma moto. É um jovem que não pensa em ter uma profissão, fazer uma faculdade, se desenvolver profissionalmente e conseguir outras coisas para os jovens que estão lá (M.B.A., 18-24, M-ZS)[11].
No mundo organizado pelos homens[12], a ausência da figura paterna é um grande problema para a família. O jovem, ansioso por aceitação e inserção social, sente a necessidade de – na verdade, é pressionado a – espelhar-se em uma figura masculina. É neste contexto que aparece, como alternativa, o “comandante” da comunidade. Ele representa o modelo que o jovem não encontra em casa, ou então a oportunidade de inclusão que a sociedade silenciosamente lhe nega. A mãe, muitas vezes impossibilitada de reagir, sofre duas vezes: pela situação de seu rebento e por ser acusada pela lógica patriarcal de “fracassar” na criação dos filhos.
É muito conhecido o slogan: “Adote seu filho antes que o traficante o adote”. Nós discordamos, em parte, por entender que o problema não diz respeito somente ao núcleo familiar. É toda uma sociedade que não o acolhe. Haja vista os problemas apontados pelo jovem entrevistado como origem da violência: fome, desemprego, falta de lazer e de cultura. O tráfico torna-se, então, uma maneira de ser reconhecido, de deixar de ser invisível. O desejo de ter um carro ou moto, aliás, aponta para isso, pois revela a necessidade de ter para aparecer, o que – diga-se de passagem – é de fato uma exigência da lógica capitalista.
Tanta violência causa cada vez mais medo na sociedade. Em consequência, aumenta a pressão por medidas de segurança. As soluções, porém, trazem ainda mais insegurança, pois os militares cada vez mais recebem treinamento (e poderio bélico) para uma guerra. Justificam-se dizendo que os criminosos, principalmente traficantes de drogas, possuem tecnologia superior, estando sempre um passo à frente. Mas usam sua técnica – e truculência – também em manifestações pacíficas, como as dos estudantes, ou dos professores (onde a maioria é composta por jovens). Mesmo em relação aos traficantes, um ex-secretário da segurança nacional, em entrevista a um programa de TV[13], falando sobre o recente episódio do Morro do Alemão, afirmou que muito mais perigosos do que os garotos (sic) da favela são os milicianos, por serem policiais treinados. Aliás, ele afirmou também que o tráfico se firmou, nos morros cariocas, patrocinado pela chamada banda podre da polícia militar. Essas notícias geram, na população, muito mais medo do que respeito. Estar sozinho numa rua deserta, à noite, por exemplo, é motivo para ter tanto medo dos bandidos quanto dos policiais. Pensando nisso, e em medidas de (in)segurança como o toque de recolher, não dá pra evitar a comparação: parece que estamos voltando aos tempos da ditadura militar.
Outro fator preocupante é o expressivo aumento de mortes juvenis na última década. Segundo o Mapa da Violência 2010[14], a taxa de homicídios cresceu mais entre jovens de 14 a 25 anos do que nas demais faixas etárias. As capitais e regiões metropolitanas, consideradas as mais violentas, mantiveram ou reduziram levemente suas taxas[15]. Mas isso não quer dizer que o índice não tenha crescido. Porto Alegre/RS, por exemplo, que se manteve como a oitava capital no ranking brasileiro, teve seus números mudados de 76,7 (a cada 100.000 jovens assassinados) em 1997 para 114,4 em 2007. Se considerarmos que a população juvenil aumentou significativamente nesses 10 anos, os números são ainda mais impressionantes.
Embora pensemos primeiro nos grandes centros, devido ao seu histórico de violências, é nas pequenas e médias cidades do país que os índices têm crescido assustadoramente. Isto é péssimo. Idealizamos o interior como lugar de paz e sossego, e demonizamos as capitais. Nossas músicas regionais sempre exaltaram o campo, o sertão e o interior como paraísos terrestres. Porém, infelizmente, a violência e a criminalidade estão se disseminando por todo o território nacional. Sempre morreram jovens do sexo masculino e feminino, religiosos e ateus, brancos e negros, ricos e pobres, mas agora, contrariando as tradições populares, são motivo de preocupação tanto os assassinatos dos da cidade grande quanto os do interior. Por tudo isso, acreditamos não haver nenhum exagero na expressão “extermínio de jovens”.
Diante desse quadro, o que fazer? Fala-se muito na não-violência como alternativa. Mas deixar de ser violento não é o suficiente para acabar com este mal. É necessário cultivar uma cultura de superação da violência, ou seja, uma cultura de Paz. Mas como isto é possível? E mais... Será que podemos encontrar luzes na Bíblia para solucionar o problema? É o que tentaremos propor, a seguir.
5.      Em busca da Paz
Conforme narrado em Ex 1,7, o nascimento de Moisés tem como pano de fundo o que hoje chamamos de bônus demográfico. A fertilidade era uma bênção de Deus, destinada à descendência de Abraão (Gn 12,2). Esta bênção, porém, era vista como uma praga pelos egípcios (Ex 1,9-10). Isso porque a quantidade de filhos do sexo masculino poderia se traduzir, num futuro próximo, em um exército poderoso. A situação chegou ao ponto de o Faraó mandar matar os meninos hebreus de 0 a 2 anos de idade (Ex 1,22).
Exceto a Bíblia, não há nenhum documento registrando este acontecimento trágico e despótico. Entretanto, mesmo que seja apenas uma alegoria, a narrativa mostra como os reis de ontem e de hoje temem o povo e eliminam os focos de resistência. Os governantes atuais, porém, não são adeptos de medidas impopulares. Em vez de eliminar diretamente o material humano excedente, alimentam a lógica competitiva do mercado, onde a próxima, ou próximo, torna-se um adversário a ser batido. Com isso, adultos disputam cada oportunidade entre si e com os jovens. Também as tribos juvenis entram em conflito na luta pela sobrevivência. Quanto mais os recursos se tornam escassos, mais a selvageria impera.
Logo, se queremos cultivar uma cultura de Paz, precisamos estar atentos, primeiro, às lições do grupo liderado por Moisés, que enfrentou o Faraó, em busca da libertação. Em primeiro lugar, precisamos resistir. Essa resistência tem que ser corajosa e inteligente, como a das parteiras (Ex 1,15-19). Além disso, é preciso formar grupos, formar comunidades. Moisés luta sozinho e causa a morte de um egípcio, a ira do rei e a desconfiança dos hebreus (Ex 2,11-15). Quando decide enfrentar novamente a opressão, é chamado a formar comunidade (Ex 3,11-4,16), e finalmente a libertação acontece.
Por fim, é preciso estar atenta/o ao chamado e aos sinais dos tempos. Estudos indicam que o monte Horeb (Ex 3,1) apresentava atividades vulcânicas. Logo, era comum a combustão espontânea de arbustos. Então, o que fez Moisés se admirar com a sarça ardente? Como é que, cumprindo sua rotina de trabalho, ele percebeu que alguma coisa estava diferente? Na correria do nosso dia-a-dia, como percebemos a presença de Deus em nosso meio? Bom, o chamado de Moisés foi a resposta de Javé ao clamor dos hebreus (Ex 3,9-10). Perceber a vontade de Deus, então, passa pela indignação com o sofrimento do povo. Assim, produzir uma hermenêutica juvenil é estar atenta/o (imerso, de preferência) às realidades das juventudes. Podemos abafar as sarças que ardem em nosso peito, ou tirar as sandálias (e, com elas, as desculpas) e colocarmo-nos a caminho.
6.      A Paz de Cristo
Depois de tudo o que já dissemos, parece óbvio que Deus esteja nos pedindo para acabar com o extermínio de jovens. Mas como superar um problema já enraizado, inculturado, institucionalizado em nosso meio? A violência já atingiu até os órgãos responsáveis pela segurança nacional, que deveriam ser os primeiros a combatê-la. A militarização do policiamento não lembra somente o tempo (não muito distante) da ditadura, mas também a época da Pax Romana, período em que Jesus nasceu, viveu e foi assassinado. Ela se estendeu até tempos depois, perpassando as comunidades joaninas que devem ter escrito o quarto evangelho, por volta dos anos 90 d.C. Nele, está escrito: Eu vos deixo a Paz, eu vos dou a minha paz. A paz que eu vos dou não é a paz que o mundo dá. Não fiqueis perturbados, nem tenhais medo” (Jo 14,27). Acreditamos que uma reflexão sobre este texto pode dar-nos pistas de como resistir à cultura de violência vigente em nossos dias.
O trecho que relembramos, diferentemente de como é refletido em nossas liturgias, trata-se de um contraponto entre a paz do mundo (Pax Romana) e a Paz de Jesus. Na primeira, tudo corria bem para quem obedecia o imperador e mantinha os impostos em dia. A Paz que Jesus oferecia, porém, era gratuita e geradora de vida. Por isso, não havia razão para ter medo. Falando assim, Jesus encorajava seus ouvintes a resistir e, ao mesmo tempo, denunciava o verdadeiro inimigo, a fonte originária da violência, isto é: o poder opressor.
Aos “desordeiros”, Roma impunha a paz pela espada, sob a justificativa de que nada deveria perturbar a ordem. Ser desordeiro era não pagar impostos, ou não acatar as ordens reais. Para os camponeses empobrecidos, era difícil manter os impostos em dia. Frequentemente, algum grupo se insurgia, sendo logo esmagado pela guarda militar. Quando as revoltas eram maiores, legiões inteiras marchavam contra as cidades. Foi assim que, em 70 d.C., Jerusalém e o Templo foram completamente destruídos. Também hoje, quando há manifestações, normalmente tendo os jovens na linha de frente, o policiamento militar apresenta seus “argumentos”. Ora, isso não é paz. Como diz – e muito bem – a música Minha Alma, da banda de pop rock nacional O Rappa: “Paz sem voz não é paz; é medo”.
As autoras e autores do evangelho de João entenderam que a vinda de Jesus implicava na restauração do Plano de Deus, resumido numa frase: “Eu vim para que (todas/os) tenham vida, e vida em abundância” (Jo 10,10). Podemos considerar este o Evangelho da promoção da Vida[16]. Sua mensagem valoriza, ainda (e como consequência), a igualdade de gênero (Jo 11,27)[17], a acolhida ao pobre e ao estrangeiro (Jo 4,1-42) e o respeito à diversidade (Jo 3,1-13). Enquanto a paz de Roma baseava-se em códigos hierárquicos, a de Jesus é fundada na igualdade. Enquanto o imperador exigia obediência, Cristo resgatou a gratuidade nas relações. Em vez da imposição de limites pela força, para manutenção da ordem, as comunidades cristãs aprenderam de seu Mestre a cultivar valores, e a deixar que eles fossem o critério de sua conduta. Ou seja, a vida nova requer práticas novas.
Interessante notar que Jesus denunciou as autoridades de seu tempo, mas foi das discípulas e discípulos que Ele exigiu a conversão dos corações. Restabelecendo o amor como valor primeiro, ordenou aos seus seguidores que se amassem uns aos outros, pois nisso seriam reconhecidos como cristãos (Jo 13,343-35). Esta, a diferença fundamental. O que vemos, hoje, são pessoas clamando pela honestidade dos líderes políticos, mas trapaceando no trânsito, na fila de supermercado, na restituição de bens perdidos. Jovens reclamam da falta de oportunidades, mas agridem covardemente outros jovens, sem dar-lhes nem chance de defesa. Dizíamos há pouco que é necessário formar comunidades, e que elas estejam unidas em prol do fim da violência, mas isso de nada adianta sem o amor à próxima, ao próximo. Uma vez vencido o inimigo comum, os conflitos internos afloram e o problema apenas muda de endereço. Em suma, reproduzir o sistema de opressão não é o caminho para vencê-lo, mas para mantê-lo vivo.
Podemos deduzir, portanto, que a Paz começa por nós mesmas/os, pela maneira como tratamos uns aos outros. Mas é claro que não podemos abdicar do dever de denunciar, cobrar as autoridades, desde que não o façamos usando a mesma arma da opressão, isto é, a violência. Há quem defenda que Jesus, em outros evangelhos, ensine o revide. Em Mateus, por exemplo, Ele diz que não vem trazer a paz, mas a espada (Mt 10,34). E em Lucas, Ele vem trazer fogo e divisão (Lc 12,49-53). Mas, pelo que já falamos sobre a Pax Romana, cremos que as leitoras e leitores já perceberam de que paz Mateus está falando. Já, o fogo e a divisão de Lucas indicam que não temos como ficar indiferentes ao chamado de Deus. Que nossa voz se faça ouvir, não pela imposição, mas pela força do amor que cultivamos em nossos grupos.
7.      Olhai por nós
Em Is 32,17, lemos que a Paz é fruto da Justiça”. O próprio Isaías nos diz que praticar a Justiça é fazer o bem e socorrer o estrangeiro, o órfão e a viúva (Is 1,17), isto é, restabelecer a dignidade aos excluídos, ou – como abordamos neste artigo – aos invisíveis. E o que um/a invisível quer mais do que a visibilidade, isto é, ter vez e voz?
A campanha contra a violência e extermínio de jovens é uma ótima iniciativa, que cada vez mais deve ser abraçada pela juventude da ICAR, mas também de todas as outras denominações. Afinal, não são somente os jovens católicos romanos que estão morrendo. E outras campanhas e propostas que sejam iniciativas de grupos juvenis também devem ser copiadas, desde que resguardada a vida comunitária baseada no amor e cultivo de valores, pois esta é a melhor forma de lhes dar visibilidade.
Por outro lado, também a sociedade precisa dar a contrapartida. O Estado enfrenta um problema gravíssimo, que é a superlotação dos presídios. A solução do Estado? Construir mais presídios. A alternativa mais inclusiva? Em vez de presídios, construir praças, escolas, áreas de lazer e cultura... Por que não proporcionar às/aos jovens oportunidades de lazer, trabalho, estudo, saúde, entre outros? E mais... É necessário assegurar os direitos juvenis, através de políticas públicas de qualidade. Que as ruas, lugares que elas/es mais frequentam, e onde se encontram de fato, ofereçam espaços para a vida, a arte, a criatividade, a interatividade, o trânsito livre, em vez de serem palcos de guerras com outras/os jovens e com o policiamento militar.
Por isso, porque precisamos ouvir a voz das/os invisíveis da sociedade, este artigo não é só um discurso sobre jovens. Muito do que falamos, ao longo dessas páginas, foi fruto de reflexões bíblicas produzidas em cursos para jovens. Escutando-os, percebemos o quanto se sentem acuados. Temem o diálogo direto com seus pais. Reclamam de suas pastoras e pastores, que os tratam como crianças, ou simplesmente os ignoram. Não sentem a escola como um espaço seu, mas um lugar de adestramentos, onde, para ter um futuro, devem entregar o seu presente. Admiram manobras radicais e jogos urbanos que desafiem o policiamento das ruas. Todo este comportamento, de caráter transgressor, é um grito de socorro. Nossas/os jovens querem ser respeitadas/os pelo que são, e não pelo que podem oferecer num futuro próximo. Mas, mais do que isso: eles querem viver. Todo dia, perdem amigas/os para as drogas, a incompreensão, a intolerância. Sabem que estão sujeitas/os, um dia, a ter o mesmo destino. O medo os faz reagir de forma desesperada, algumas vezes. Mas tudo o que fazem revela um grito, um apelo (que vamos repetir, para ficar bem claro e finalmente ser ouvido): A JUVENTUDE QUER VIVER.


[1] Lema da Campanha Nacional contra a Violência e Extermínio de Jovens.
[2] POSSATO JR., José Luiz; LUCAS Barbara V.: Juventudes e Meio Urbano. Em: Estudos Bíblicos nº 103 – 2009/3, pág. 104 a 115, Ed. Vozes, Petrópolis, 2009.
[3] Modo de organização social que tem a fase adulta como auge da vida humana e, consequentemente, parâmetro de todas as relações.
[4] Para saber mais sobre esta campanha, acesse o site: http://www.juventudeemmarcha.org.
[5] KRANEN, Frans van: Me chamavam de Careca, da série: “para ler”. Disponível em: http://www.myspace.com/franskranen/blog/541087522. Acesso em: 06/12/2010.
[7] Basta lembrarmos que tanto os assassinos de Galdino quanto os dos meninos da Candelária ficaram impunes. Porém, enquanto uns, réus confessos, ficaram em liberdade graças à sua condição financeira, os outros escaparam do julgamento por “falta de provas”.
[8] POSSATO JR., José Luiz; LUCAS, Barbara V.: Juventudes e Mundo Urbano. Op. Cit.
[10] Prática de depreciação da/o outra/o, através de apelidos, chacotas e outras humilhações. Necessidade gritante de auto-afirmação? Falta de valores? O que já desenvolvemos neste artigo pode levar a leitora, ou leitor, às suas próprias conclusões.
[11] BORELI, Sílvia H. S.; MELO ROCHA, Rose de; ALVES OLIVEIRA, Rita de Cássia: Jovens na Cena Metropolitana – Percepções, Narrativas e Modos de Comunicação, pág. 81, Ed. Paulinas, São Paulo, 2009.
[12] O machismo, ou patriarcalismo, é um problema antigo, que só recentemente, e graças aos movimentos feministas, vem sendo questionado, combatido, ressignificado.
[13] Cf. entrevista do sociólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário da segurança pública nacional, ao programa Roda Viva, exibido em 20/12/2010: http://www.tvcultura.com.br/rodaviva/programa/1232. Acesso em: 24/12/2010.
[14] WAISELFISZ, Julio Jacobo: Mapa da Violência 2010 – Anatomia dos Homicídios no Brasil, pág. 65 a 88, Instituto Sangari, São Paulo, 2010.
[15] Exceto as capitais São Paulo e Rio de Janeiro, que acusam uma queda acentuada, a partir de 2003, ano que coincide com a campanha do desarmamento.
[16] A palavra “vida” aparece 36 vezes em João, contra 7 em Mateus, 5 em Lucas e 4 em Marcos.
[17] Enquanto os outros evangelhos apontam Pedro como o autor da profissão de fé segundo a qual Jesus é o Cristo, isto é, o Messias (valendo a Pedro, segundo Mateus, o título de Pedra Angular da Igreja), João coloca este ato de fé na boca de Marta.