Era uma vez, um vale encantado, conhecido por seu rio sinuoso, onde
moravam Moacir e sua filha de 15 anos, Larissa. Ele era viúvo e descendia de
uma linha de reis africanos. Ela perdeu a mãe muito cedo e se confortava ouvindo
histórias de um tempo e um continente distantes. A cor de sua pele os tornava
diferentes dos outros moradores da região, todos descendentes de alemães.
Entretanto, a inteligência e simpatia faziam de Moacir um homem muito
respeitado naquela comunidade. Tudo ia bem até que ele arrumou uma namorada,
Marli, loira e muito bonita, mas muito vaidosa.
Quando mais nova, Marli fora eleita a mais bela do vale. Agora que
estava novamente em evidência, resolveu fazer um novo concurso de beleza.
Larissa ficou muito animada, não tanto pela competição, mas pela oportunidade
de estar numa festa. Porém, como a madrasta não se dava muito bem com a
enteada, criou uma regra: somente mulheres que tivessem a cor branca poderiam
participar. A menina ficou muito triste. Mas suas amigas, inconformadas,
bolaram um plano. Inscreveram-na com o nome de Branca de Neve. Assim, ela não
poderia ser desclassificada, pois tinha a cor branca, pelo menos no nome. E lá
se foi Larissa, desfilar na passarela. Marli ficou com muita raiva, pois, no
fundo, temia ser derrotada justo pela filha de seu namorado.
E foi o que aconteceu. Branca de Neve foi aclamada a mais bonita mulher
do vale. A megera ficou vermelha de raiva e questionou os jurados: “Vocês não
estão vendo que ela é negra?” Ao que eles responderam: “O regulamento não diz
nada sobre a pele. Somente que as candidatas deveriam ter a cor branca. E é o
que ela tem no nome.” Marli não disse mais nada. Para Moacir, inventou a
desculpa de que queria preservar a menina de olhares maldosos. Porém, o que ela
desejava mesmo era matar a garota.
A inveja ia corroendo a madrasta. Passados alguns dias, ela contratou
um pistoleiro para que matasse Branca de Neve e sumisse com seu corpo. Ele
aceitou o serviço, pois não sabia que se tratava de sua amada, Larissa. Quando
descobriu, recomendou que ela fugisse e se escondesse, pois sabia que Marli não
iria desistir. Antes, porém, pegou o colar de seu pescoço, a fim de apresentar
à malvada como prova da execução do crime. A menina não tinha onde se esconder.
Ficou perambulando pela mata, até encontrar uma casa onde moravam sete irmãos.
Eles trabalhavam na roça, o dia inteirinho. Por isso, a casa vivia bagunçada.
Então resolveram acolhê-la, desde que lavasse, passasse e cozinhasse para eles.
E assim viveram por longos anos.
As coisas começaram a mudar no vale quando Moacir, que fizera de tudo
para encontrar sua filha, foi entristecendo até morrer. Única herdeira, Marli
tornou-se a mulher mais popular da região. E tornou-se também a mais rica,
aumentando sua fortuna com uma empresa de eventos. Os mais apreciados eram os
concursos de beleza. Mas ela sempre dizia que eram para escolher a segunda
mulher mais bonita das redondezas (a primeira, obviamente, era ela). Como não
havia mais negros, as pessoas foram esquecendo como era viver com o diferente.
A contínua promoção de disputas e competições tornou o povo mesquinho. Mesmo as
amigas de Larissa começaram a aceitar em seu grupo somente aquelas que se
vestiam igual a elas, ou então tivessem olhos tão clarinhos quanto os seus. O
povoado do Vale do Rio Sinuoso, tão conhecido pela acolhida, passou a não fazer
mais jus a sua fama.
Um belo dia, sentindo saudade do pai, Larissa se disfarçou de camponesa
e foi ao povoado, ver se o encontrava. Perguntou sobre o bom Moacir aos que
passavam, mas ninguém lhe deu atenção. Estranhou a frieza do povo. Então
encontrou um menino de rua e este lhe contou como tudo se transformara com o
sumiço da menina negra e a morte de seu pai. Ela soltou um grito, sendo
reconhecida pelo menino. Saiu correndo, desesperada, chorando. Nunca mais veria
seu paizinho querido. Ficou três dias sem comer e sem fazer o serviço de casa.
Os sete irmãos tentaram animá-la, mas ela não saía de seu quarto. Enquanto
isso, Marli ficou sabendo que sua enteada estava viva. E o pior... Outras
pessoas também sabiam. Era necessário tomar providências.
A malvada contratou homens acostumados com a mata para localizar
Larissa. Logo a encontraram na casa dos sete irmãos. A madrasta decidiu fazer
ela mesma o serviço. Disfarçou-se de anciã e dirigiu-se, escondida, à mata. Do
lado de fora da casa, gritou que conhecia Moacir. A menina abriu a porta mais
do que depressa. Foram conversando, Marli foi elogiando a beleza da moça,
fazendo de tudo até ganhar sua confiança. De repente, puxou um pedaço de pau e
bateu na cabeça dela, que caiu desacordada. Ouvindo passos, a vilã saiu
correndo. Eram os sete irmãos que, felizmente, voltavam mais cedo para casa.
Levou um tempo para que a garota acordasse. A madrasta voltou para casa, sem
ter certeza de ter matado a jovem. Porém, assim pensava, só o susto já deveria
ser o suficiente para mantê-la longe do vilarejo.
Mas Larissa ficou revoltada. Essa mulher tinha destruído sua vida,
matado seu pai de desgosto e transformado o vale em um lugar frio e triste.
Como sentia que não tinha mais nada a perder, resolveu acabar com isso.
Voltando à vila, soube que um concurso se aproximava. Procurou conhecer as
regras (agora era proibida a participação de mulheres negras) e bolou um plano.
Pintou sua pele de branco, ficando bem mais alva do que as próprias habitantes
da região. Mudou seu nome para Alice e se inscreveu no evento. Quando a viu na
passarela, Marli a reconheceu. Mas não podia revelar sua identidade porque
temia o escândalo. O tempo foi passando, e a vilã pensava em como se livrar do
problema. Então começou a chover. A tinta escorria da pele de Larissa. Alguém
gritou: “Vejam... É Branca de Neve!” O povo se alvoroçou, mas, antes que alguém
pudesse falar alguma coisa, a madrasta pulou em cima dela tentando sufocá-la.
Foi quando apareceram os sete irmãos, que na verdade eram sete
ex-maridos da malvada. Ela havia acabado com a vida de todos. Os mais velhos
foram reconhecendo os sete homens. Todos eles eram pessoas influentes do
passado do vale. Até então, ninguém entendera por que eles haviam sumido. Mas
as pessoas, lentamente, foram relembrando os fatos. Essa mulher havia destruído
a família e a vida de todos eles. Furioso, o povo colocou Marli para correr, e
uma guarda foi montada no vale, a fim de manter a vilã sempre longe, e também
de descobrir quem eram seus ajudantes.
E a história está prestes a terminar, mas parece que falta alguma
coisa... Ah, sim! Não tendo mais que se esconder, e linda (e rica) como era,
Larissa foi procurada por vários pretendentes. Agora, ela possuía sete pais.
Conforme eles foram refazendo sua vida, ela foi adquirindo também novas mães
(mas todas eram muito boas). Nenhum dos rapazes, porém, chamava a atenção dela.
Até que apareceu um lindo moço, cujo olhar não lhe era estranho. Ele puxou um
saquinho de joias e mostrou-lhe algo que fez seu coração acelerar. Era o colar
que ela ganhara de herança de sua mãe, o mesmo que o pistoleiro levou como
suposta prova de sua morte. Ela, então, reconheceu o rapaz, e ele declarou seu
amor. Disse que não conseguia se desfazer do colar, que pensava nela todos os
dias, e que nunca mais havia matado alguém, ou usado uma arma, depois daquele
encontro. Então, ela pegou sua mão e sorriu. Sabia que não era branca como a
neve, mas isso não importava, porque Moacir (por uma dessas coincidências da
vida, este era também o nome do rapaz) disse-lhe que era linda como o ébano. E
aí, enfim, todas e todos viveram felizes para sempre. FIM.
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